E se amanhã eu tiver esquecido quem sou? Será que eu teria a chance de começar do zero ou será que as pessoas do passado me prenderiam, me amarrariam a quem eu era, e a quem eu jamais voltaria a ser?
Uma vez isso aconteceu com uma pessoa lá longe, em um lugar bonito, feio, bom, ruim, exatamente como aqui. Ela se esqueceu e era para sempre. Ela tinha tido amigos, mãe, pai, família, namorados e namoradas. Ela tinha tido religião, profissão, casa, filhos. Mas ela se esqueceu, e depois de esquecido, não queria mesmo lembrar. E sua vida nem era ruim: tinha sido feliz. Mas essa pessoa escolheu que queria ser uma pessoa nova, não queria ter que carregar as responsabilidades de quem ela fora, só porque continuava com o mesmo corpo. Afinal, sua alma era outra. Ela quis ir embora, mudar de cidade. Ir re-conhecendo aos poucos as pessoas do seu passado, uma por uma, com calma, porque era demais ter que relembrar todos ao mesmo tempo.
Ela tentou, mas o passado não deixou. Os outros a seguraram com unhas e dentes, impediram-na de se afastar, de descobrir quem ela era agora, queriam que fosse quem era. Mas ela não podia ser. As fotos não faziam nascer novamente as lembranças dentro dela, as histórias pareciam contos distantes, contados por atores que a rodeavam e tentavam insistir que ela também participasse da peça. As pessoas não eram mais pessoas, eram fantasmas que assombravam noite e dia, que exigiam muito mais do que ela podia dar. Ou queria dar. Ela era chamada de egoísta, mas será que era realmente egoísmo querer se construir a si mesma? Descobrir que pessoa era aquela que se chamava de eu, que não tinha memória, mas que tinha um jeito de ser, e um jeito de pensar, cujas origens permaneceriam para sempre ocultas em mistério? Mas seu ‘eu’ acabou sendo forçosamente preenchido com um passado que ao mesmo tempo em que era seu, jamais o seria. A vida dela, vista pelos outros jamais seria a vida que ela tinha vivido. E ela não conseguia deixar de sentir que ela não era nada mais que uma farsa, que ela poderia muito bem ser nada além do que um corpo fabricado, uma folha branca a ser preenchida com o que aquelas pessoas quisessem. Só não era porque não queria ser.
No final, a pessoa que tanto amou os outros não quis mais amar, a pessoa que viveu a vida com tanta alegria não quis mais viver. E foi assim que acabou. Se amanhã eu tiver esquecido quem sou, será que eu vou aguentar ser quem o meu passado vai querer que eu seja?
Bem legal seu texto! Só to em dúvida se vc é vc ainda, ou quem escreveu já é outra pessoa! Caso tenha confundido vc com sua alma (ou encarnação ou heterônimo) anterior, me desculpe! rs. Bjs
ResponderExcluirNão ser mais a mesma pessoa para os outros é como morrer, as pessoas se apegam ao constante e tem medo da mudança, por isso é tão difícil mudar. Nós mesmos enfrentamos dificuldades em mudar nossos hábitos, justamente por serem hábitos! e por hábito queremos que todos sejam quem sempre foram, sem questionar. É como ter que usar a mesma máscara sem nunca poder tirar. Sempre usamos máscaras e nenhuma é mais verdadeira que a outra. Não poder trocar, criar ou mesmo desfazer de uma máscara é parar no tempo.
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